nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
(cena do filme Hannah e Suas Irmãs, de Woody Allen, em que um dos personagens lê o poema acima)
(Poema de E. E. Cummings em tradução de Augusto de Campos – leia também a versão original em inglês. Edward Estlin Cummings foi também pintor, ensaísta e dramaturgo. Seus poemas são melodiosos e têm uso inovador da pontuação, tipografia não linear e reconstrução de palavras, explorando fonemas individuais. Seu primeiro livro, O Quarto Enorme, de 1922, não é de poesia, mas romance autobiográfico sobre sua prisão na Primeira Guerra Mundial. O primeiro livro de poemas é de 1923.)