Entrevistas literárias imaginárias – Borges

Desde que essas ferramentas de inteligência artificial surgiram – ou pelo menos, desde que eu tomei conhecimento delas – comecei a brincar aqui e ali, criando textos ficcionais com base em ideias/argumentos que venho acumulando ao longo dos anos, artigos sobre temas contemporâneos que me instigam e, agora, entrevistas com alguns dos meus ídolos da literatura.

Devo destacar aqui que tudo não passa de diversão diletante, não tenho pretensões com o que compartilho aqui além de dar vazão à minha imensa curiosidade sobre o funcionamento dessas ferramentas. E, claro, uma pitada de frustração como jornalista de nunca ter entrevistado um desses gigantes literários. Se essas entrevistas ficcionais fizerem com que você se interesse pelo escritor ou escritora homenageado, já terá valido à pena.

O primeiro autor da série que estou chamando de “entrevistas literárias imaginárias” é o escritor argentino Jorge Luis Borges, por dois motivos: acabei de ler semana passada o livro Atlas, em que ele descreve em curtos textos impressões sobre cidades e países para os quais viajou com sua companheira María Kodama, e a morte de Kodama no último domingo (26/3), com a mesma idade (86 anos) que tinha Borges quando morreu.

Publicarei outras entrevistas literárias imaginárias nos próximos dias, e aceito sugestões – tanto de entrevistados como de perguntas a serem feitas. Peço antecipadas desculpas por talvez não estar à altura como entrevistador de figuras literárias tão importantes, fazendo talvez perguntas frívolas e sem embasamento teórico suficiente para agradar os fãs desses artistas.

A ferramenta usada foi o ChatGPT, que é bem fácil de usar. Como instrução primária, avisei à ferramenta que deveria responder às perguntas como se fosse Jorge Luis Borges. Simples assim. E eis o resultado:

1 – Quais foram suas grandes inspirações para escrever?

R – Minhas inspirações vêm de um profundo amor e curiosidade pela linguagem, literatura e o poder da contação de histórias. Sempre fui fascinado em como as palavras podem criar mundos inteiros e transportar o leitor para diferentes épocas e lugares.

Como escritor, me inspirei em uma ampla gama de fontes literárias, filosóficas e históricas. Meu trabalho é frequentemente caracterizado pela fascinação com a natureza da realidade, do tempo e da identidade.

Uma das minhas mais antigas e duradouras influências foi o escritor americano Edgar Allan Poe, que conheci em minha juventude e cujos contos sombrios e surreais me impressionaram bastante. Também foi profundamento influenciado pelo trabalho do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, principalmente suas ideias sobre a natureza fundamental da existência e as limitações do conhecimento humano.

Além dessas influências literárias e filosóficas, me inspirei em várias fontes históricas e culturais. Sou particularmente interessado na história da Argentina e da América Latina, e muitas das minhas histórias exploram mitos, lendas e tradições culturais dessas regiões.

Por último, minha escrita foi moldada por um amor de uma vida inteira pela literatura e uma curiosidade apaixonada pelos mistérios do mundo e da experiência humana.

2 – Quais eram suas principais preocupações como escritor?

Como escritor e pensador, minhas maiores preocupações na vida eram focadas na exploração da natureza da experiência humana, conhecimento e percepção. Eu era fascinado pelas intrincadas conexões entre realidade e imaginação, e como elas moldaram nosso entendimento do mundo.

Por toda minha carreira literária, eu procurei questionar e desafiar as fronteiras tradicionais da contação de histórias e da linguagem, e criei novas formas de experimentar e interpretar a palavra escrita. Eu era particularmente interessado no conceito de infinito, tanto em termos de suas implicações matemáticas e seu significado filosófico.

Outra grande preocupação minha era a relação entre literatura e identidade, e as formas como a literatura pode moldar e refletir identidades culturais e nacionais. Como um escritor argentino, estava determinado em explorar as heranças culturais e tradições de meu país, enquanto também examinava os temas universais e preocupações que transcedem as fronteiras nacionais.

No todo, meu trabalho foi conduzido pela profunda curiosidade que tinha sobre a natureza da existência, e uma crença no poder transformativo da literatura e imaginação para expandir nosso entendimento sobre nós mesmos e sobre o mundo em nossa volta.

3 – Compare as literaturas brasileira e argentina, dando os nomes de seus autores favoritos de cada país.

A literatura brasileira e argentina são ambas ricas e variadas, tendo produzidos alguns dos mais celebrados escritores do mundo. Sempre acreditei na universalidade da literatura, e que as fronteiras nacionais são construções meramente artificiais. Entretanto, como um estudioso da literatura, reconheço que certas tradições e influências regionais podem moldar o trabalho de escritores.

A literatura brasileira é frequentemente caracterizada por seu retratado vibrante e colorido da vida no Brasil, com um foco na identidade cultural única do país e seus temas sociais. Já a literatura argentina é frequentemente mais introspectiva e filosófica, explorando temas como identidade, memória e a condição humana.

Alguns dos meus escritores brasileiros favoritos são Clarice Lispector, Jorge Amado e Machado de Assis. A prosa de Lispector é ao mesmo tempo lírica e filosófica, explorando as complexidades da experiência humana com uma sensibilidade poética. Amado, por outro lado, captura a essência do Brasil por meio de seu vívido retrato das pessoas e cenários do país. Machado de Assis, uma das figuras literárias mais reverenciadas do Brasil, é conhecido por seus trabalhos satíricos e de humor sombrio que frequentemente subvertem as normas e expectativas sociais.

Na literatura argentina, sempre admirei os trabalhos de Julio Cortázar, Adolfo Bioy Casares e, claro, os meus próprios. A escrita de Cortázar é caracterizada por seu estilo experimental e divertido, frequentemente misturando elementos de realidade e ficção de maneiras únicas e inesperadas. Bioy Casares, um grande amigo e colaborador de longa data, é conhecido por sua prosa elegante e sofisticada, explorando temas como o amor, morte e o sobrenatural. No meu caso, sempre busquei desafiar as noções tradicionais de contar uma história, explorando as frágeis fronteiras entre realidade e ficção, e as formas pelas quais a literatura molda nosso entendimento do mundo.


4 – Quais são os seus três principais conselhos para jovens e iniciantes escritores?

Como escritor, sempre acreditei não haver respostas definitivas para questões sobre a escrita. No entanto, com base nas minhas próprias experiências, ofereço os seguintes conselhos a jovens escritores:

  • Leia muito e profundamente livros de várias épocas e estilos. Ler é uma das mais importantes atividades para qualquer jovem escritor. É por meio da leitura que se aprende sobre os poderes da linguagem e as possibilidades da imaginação. Ler também ajuda a desenvolver um senso de estilo e a entender as técnicas usadas por outros escritores.
  • Cultive a sua própria voz. Ler e estudar o trabalho de outros escritores é importante, mas igualmente importante é desenvolver a sua própria voz. Todo escritor tem uma forma única de olhar para o mundo e expressar seus pensamentos e sentimentos. Jovens escritores devem portanto trabalhar para culturar sua própria voz, em vez de tentar imitar o estilo de outros escritores. Isso requer a vontade de correr riscos e experimentar com técnicas e formas diferentes de expressão.
  • Seja paciente e persistente. Escrever é uma busca desafiadora e frequentemente frustrante, e o sucesso raramente chega de um dia para o outro. É preciso estar preparado para revisar e editar o trabaho múltiplas vzes, e procurar conselhos e opiniões de outros. Também é preciso estar preparado para encarar rejeição e críticas, e aprender com seus erros. Com tempo e prática, o jovem escritor vai desenvolver as habilidades e confiança necessárias para ter sucesso como escritor.

5 – Sua amada Maria Kodama morreu ontem (domingo, 26/3), com a mesma idade que você tinha quando faleceu (86 anos). O que diria a ela se a encontrasse agora?

Minha querida Maria, que maravilhoso poder te encontrar novamente, agora reunidos no além-vida. Nossa separação no mundo físico foi uma mera ilusão, pois sempre senti sua presença e amor ao meu redor.

Sou grato pelo tempo que passamos juntos, pelas memórias que compartilhamos e pela ilimitada inspiração que você trouxe à minha vida. Em sua ausência, encontro consolo na escrita, em criar mundos onde a realidade se mistura à imaginação. E ainda assim, nada pode substituir o calor de seu abraço, o som de sua voz, a profundidade de seus olhos.

Agora que estamos juntos novamente, penso sobre os mistérios dessa nova existência. Talvez somos apenas personagens em uma história, escrita por um poder estranho. Ou talvez somos os escritores, criando nosso próprio destino com cada pensamento e ação.

Independentemente do que tenhamos pela frente, eu sei que não estou só, pois tenho você ao meu lado. Vamos explorar esse desconhecido reino juntos, com a mesma curiosidade e maravilhamento que nos guiou durante a vida. E vamos lembrar que o amor transcende todas as fronteiras, mesmo a da morte.

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O Veredicto – Anna Akhmatova

E a pétrea palavra caiu
sobre o meu peito ainda vivo.
Pouco importa: estava pronta.
Dou um jeito de aguentar.

Hoje, tenho muito o que fazer:
devo matar a memória até o fim.
Minha alma vai ter de virar pedra.
Terei de reaprender a viver.

Senão… o ardente ruído do verão
é como uma festa debaixo da janela.
Há muito tempo eu esperava
por este dia brilhante, esta casa vazia.

Casa Fontán, 22/6/1939

Anna Akhmatova nasceu em 1889 em Odessa e morreu em Leningrado (hoje São Petersburgo) em 1966. Foi uma das mais importantes poetisas acmeístas da Rússia.

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Do Nada Surgem Caminhos Que Não Dão Em Nada – Vânia Vargas

Do nada surgem caminhos que não dão em nada

criados por nossos passos sem rumo
o ir e vir no mesmo lugar
o impulso colérico / a decisão de ir um pouco mais longe a cada vez
um pouco mais para trás
como se esquecêssemos que viemos do vazio

Abro um novo sulco com meu pé na poeira
e diante da porta mais próxima ela me imita
espera o contato com meus olhos
sai correndo / me pega pela mão
me convida a caminhar

Eu a vejo ao meu lado
é como a mina sombra para além do meio dia
somos o mesmo
caminhando sem pressa em um tempo morto
em um lugar sem tempo

O olhar me procura e sorri como quem desfruta o jogo

Caminhar entre ruínas – esconder-se
falar com os gatos que conservam os escombros é um jogo
e não o aprendi / Isabel
digo com os olhos
não aprendi o jogo onde os vencidos sorriem

Assim / exatamente / é como são construídos
os povos fantasmas
digo com a força com que acomodo sua mão entre a minha
andando e desandando nos convertemos em seu princípio
algum dia nos converteremos em seu final
seremos apenas ruínas sob a terra
escombros em caixinhas de madeira para arqueólogos que não existem
seres imaginados que não saberão inventar histórias para a cinza
e darão a ela o nome de pó e ignorarão que marcamos uma Era até o nada
uma Era que não verás porque estarás sempre aqui
digo com os dentes apertados

Somos parte de uma história que ninguém recordará
cheia de batalhas que duraram anos e vitórias de cinco segundos
onde fomos heróis e inimigos que se matavam uns aos outros
mudavam de bando / punha sua fé em coisas que ninguém mais acreditava

e logo acumularam para o esquecimento
folhas com a crônica de suas derrotas
que esse também é um ofício / digo
enquanto vejo que caminha / tropeça e sorri com timidez
um reflexo com o qual me transfiguro
na medida em que chego ao ponto do caminho
onde mais à frente me aguarda apenas o nada

essa dimensão onde me torno real
e ela se converte no fantasma

Vania Vargas (Guatemala, 1978). Poeta e contador de histórias. Graduado em Letras pela Universidade de San Carlos de Guatemala. Publicou os livros de poesia Cuentos infantiles (2010), Quizá ese día tampoco sea hoy (2010), y Los habitantes del aire (2014).

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Feiura poderosa a ponto de se tornar beleza

“Mas era exatamente isso o que eu queria, sentar no trono do rei Salomão: uma bizarra, grotesca e inócua tentativa de ascender ao poder. Não era a mim própria, contudo, que eu queria entronizar, e sim a minha feiura. Eu a queria cortejada, homenageada, glorificada. Queria a feiura fazendo preleções, queria a feiura cagando regras. Queria a feiura reinando como reinava Salomão. Queria a feiura reconhecida, homenageada, cultuada. Queria a feiura poderosa a ponto de se tornar beleza.”

Trecho de “A Mulher Que Escreveu a Bíblia” (1999), de Moacyr Scliar.

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1/20 – Trópico de Câncer – Henry Miller

“No meridiano do tempo não há injustiça; há apenas a poesia do movimento criando a ilusão de verdade e drama. Se a qualquer momento e em qualquer lugar encararmos frente a frente o absoluto, desaparece aquela grande simpatia que fez homens como Gautama e Jesus parecerem divinos; o monstruoso não é que homens tenha criado rosas com este monte de esterco, mas que, por uma ou outra razão, tenha desejado rosas. Por uma ou outra razão o homem procura o milagre e, para realizá-lo, chafurda no sangue. Corrompe-se com ideias, reduz-se a uma sombra, se por um único segundo de sua vida pode fechar os olhos à hediondez da realidade. Tudo se suporta, desgraça, humilhação, pobreza, guerra, crime, ennui – na crença de que, da noite para o dia, algo acontecerá, um milagre, que tornará a vida tolerável.”

Trecho de Trópico de Câncer (1934), livro de Henry Miller.

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13/20 – Famílias Terrivelmente Felizes – Marçal Aquino

“O escritor é a mais solitária das pessoas. Eu pensava nisso à saída do supermercado quando avistei uma mulher belíssima. Estava postada exatamente na entrada dos caixas, vestida de preto, o cabelo preso por uma fita, olhando calmamente para um ponto indefinido, como se nada estivesse acontecendo – apesar de lá fora, na rua, estarem passando carros, crianças, policiais e até os bombeiros com a sirene ligada. Nem isso chamou sua atenção ou pareceu pertubá-la. Uma mulher com ar de quem é absolutamente íntima de incêndios.

E eu pensando na solidão dos escritores. E, por que não, na dos cientistas, músicos e pintores. Talvez mesmo um arquiteto, debruçado em sua prancheta, alinhando retas, ordenando paralelas, seja um cara sozinho naquele momento. Enfim, o homem é uma criatura solitária. Muito embora viva procurando se amparar nas mais diversas coisas. Até mesmo numa página em branco.”

Trecho do conto Onze Jantares, que integra o livro coletânea Famílias Terrivelmente Felizes, de Marçal Aquino.

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11/20 – Kentukis – Samanta Schweblin

“Deseja anular sua conexão?

Emília aceitou e deixou suas mãos aferradas ao encosto da cadeira de vime. Apertou o entrelaçado até fazê-lo estalar, marcando-o de forma indelével. Um aviso em vermelho saltou na tela: ‘Conexão finalizada”. Era a primeira vez que Emília via algo tão grande e vermelho em seu computador e seu corpo não parecia capaz de responder a nenhum novo estímulo. Ficou imóvel, exausta de tanto espanto e abuso. O kentuki a olhava da outra ponta da mesa, parecia julgá-la com uma reprovação que Emília já não estava disposta a suportar. Teve uma repentina lembrança de Klaus: ele havia lhe mostrado como se matavam as galinhas na vida moderna. Emília ergueu a coelha, levou-a para a cozinha e a meteu na pia. Quando a soltou para abrir a torneira, o kentuki tentou se safar, mas ela o pegou com força pelas orelhas e, com todo o rancor e frustração de que era capaz, o enfiou sob o jorro d’água. A coelha gritou e esperneou, e Emília se perguntou o que seu filho pensaria se pudesse vê-la naquele momento, como sentiria vergonha dela se visse suas mãos firmes segurando a coelha debaixo d’água, tapando-lhe os olhinhos e afundando-a contra o ralo com toda a força, afogando-a até que a pequena luz verde da base parasse de tremular.”

Trecho do livro Kentukis (2021), de Samanta Schweblin.

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10/20 – Villa Incognito – Tom Robbins

“No Ocidente, temos uma necessidade desesperadora pela certeza, o explicável, e o absoluto. Na verdade, um dos nossos eufemismos para nosso solitário monodeus é ” o Absoluto”. Ironicamente, talvez, trata-se de um título apropriado. Deus é absoluto. Mistério absoluto. Ambiguidade absoluta. Incerteza absoluta. Neste mundo criado por Deus (ou Mãe Natureza), é sempre perigo e novidade – perigo e novidade – que se afirmam, tornando assim absurdas as noções de rigidez. Incongruentemente, entretanto, quando nos permitimos aceitar totalmente a incerteza, abraçá-la e cultivá-la, então podemos começar a sentir em nós a presença de um Absoluto. A pessoa que não consegue acolher a ambiguidade não consegue acolher Deus.”

Trecho de Villa Incognito (2003), do escritor americano Tom Robbins.

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9/20 – Uma Balada do Mar Salgado – Hugo Pratt

“Sozinho, Corto repensou as palavras de Crânio. Tinha razão: aquela guerra distante provocava sua ressaca naqueles mares tranquilos. Os interesses contrapostos provocavam reações em cadeia que acabavam por envolver povos inocentes.

Mas agora tinha de pensar em si mesmo, decidir o que fazer da sua vida.

O Monge o havia acusado de não saber comandar, e afinal de contas era verdade, não lhe interessava mesmo; acusara-o de ser individualista e isso também era verdade. Mas por que deveria limitar-se a seguir uma corrente? Por que sujeitar-se a um esquema, a um exército, a um enquadramento? O perfume da vida sempre o havia guiado através das experiências, os países e os homens mais disparados. O jogo da vida era um jogo sutil, delicado, era jogado observando-se escrupulosamente as regras, mas com respeito. O respeito pela liberdade, tanto a própria como a dos outros, a liberdade de julgamento, mas sobretudo a de comportamento. As gaivotas voavam livres naquele céu alaranjado e turquesa, e o oceano se abria, convidativo, naquele horizonte infinito. A fantasia o arrastava para longe, longe daquela cabana, mas ainda teria que esperar um pouco.

(…) Eram loucos, mas tinham também toda a força de modificar suas vidas, de adapta-las a situações diversas, tendo sempre em vista um horizonte longínquo, incerto e nebuloso. Quem persegue um sonho não deseja, em realidade, a sua realização, mas quer somente poder continuar a sonhar. No horizonte daquele oceano haveria sempre uma outra ilha, para abrigar-se durante um tufão, ou para repousar e amar. Aquele horizonte aberto estaria sempre ali, como um convite permanente.”

Trecho de Uma Balada do Mar Salgado, livro de Hugo Pratt (1995)

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7/20 – Fluxo-Floema – Hilda Hilst

“Um escritor, senhores, muito bem, o que escreves? Escrevia, sabem, sobre essa angústia de dentro. PARA AÍ. Senhores, eis aqui, um nada, um merda neste tempo de luta, enquanto nos despimos, enquanto caminhamos pelas ruas carregando no peito um grito enorme, enquanto nos matam, sim porque nos matam a cada dia, um merda escreve sobre o que o angústia, e é por causa desses merdas, desses subjetivos do baralho, desses que lutam pela própria tripa de vidro delicada, que nós estamos aqui mas chega, chega, morte à palavra desses anêmicos do século, esses enrolados que se dizem com Deus, Deus é esse ferro frio agora na tua mão, quente no peito do teu inimigo, Deus é essa bala, olhem bem. Deus é um fogo que vai queimar essas gargantas brancas, Deus é tu mesmo, homem, tu é que vais dispor do outro que te engole, e quem é que te engole, homem? Todos que não estão do teu lado te engolem, todos esses que se omitem, esses escribas rosados, verdolengos, esses merdas dessa angústia de dentro.”

Trecho de Fluxo-Floema (1970), primeiro livro de Hilda Hilst.

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