Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.
De Conceição Evaristo, poeta, romancista e contista, militante do movimento negro. A poeta nasceu em 1946 numa favela da zona sul de Belo Horizonte, conciliou seus estudos com o trabalho de empregada doméstica. Aos 25 anos, no início dos anos 1970, se mudou para o Rio de Janeiro, onde estudou Letras na UFRJ. Estreou na literatura em 1990, com obras publicadas na série Cadernos Negros, publicada pelo grupo Quilombhoje. É mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Sua obra mais conhecida é o romance Ponciá Vicêncio, de 2003, que foi traduzido para o inglês e publicado nos Estados Unidos em 2007.