“Aquele que escreve livros é tudo (um universo único para si mesmo e para todos os outros) ou nada. E porque nunca será dado a ninguém ser tudo, nós todos que escrevemos somos nada. Somos desconhecidos, ciumentos, azedos, e desejamos a morte do outro. Nisso somos todos iguais (…)
(…) A irresistível proliferação da grafomania entre os políticos, os motoristas de táxi, as parturientes, os amantes, os assassinos, os ladrões, as prostitutas, os prefeitos, os médicos e os doentes me demonstra que todo homem sem exceção traz em si sua potencialidade de escritor, de modo que toda a espécie humana poderia com todo o direito sair na rua e gritar: Somos todos escritores!
Pois cada um de nós sofre com a ideia de desaparecer sem ser ouvido e notado, num universo indiferente, e por isso quer, enquanto é tempo, transformar a si mesmo em seu próprio universo de palavras.
Quando um dia (isso acontecerá logo) todo homem acordar escritor, terá chegado o tempo da surdez e da incompreensão universais.”
Trecho de O Livro do Riso e do Esquecimento, de Milan Kundera, publicado em 1978. Foi o primeiro romance do autor tcheco escrito na França. Narra em sete capítulos (ou partes) as questões políticas, sociais e filosóficas de uma geração de intelectuais, escritores, jornalistas e jovens com o fim da Primavera de Praga, que durou sete meses – de janeiro de 1968, com a eleição de um presidente reformisa (Dubček), a agosto de 1968, com a invasão de Praga pelas tropas soviéticas.