“Eu não sou saudosista. Não fico lamentando: ’ah, o meu tempo’. Meu tempo é hoje.”– Mário Lago
(post para ser lido ao som de Nada Além, de Custódio Mesquita e Mário Lago – clique aqui para ouvir)
Em novembro próximo comemora-se 100 anos do nascimento de Mário Lago, ator, ativista, escritor, poeta, radialista, boêmio, produtor, autor, compositor – este resumo de sua biografia dá uma ideia do tamanho de sua produção. Vi hoje que o site em sua homenagem foi ao ar – não sei exatamente quando – e está repleto de coisas legais deste que foi um dos artistas mais completos e interessantes do século 20. Tem fotos dele em família e com personalidades das artes e política brasileira, livro inédito do qual o site promete publicar um capítulo por semana, letras de músicas, alguns poemas e poesias, livros publicados e seu primeiro livro, O Povo Escreve a História nas Paredes, para download (aqui, em PDF). Na seção Cadê o Mário?, uma lista de lugares, ruas e praças que levam o seu nome. Nesta outra seção a lista de eventos previstos para este ano para celebrar a vida e a obra do artista – tem até filme no estilo I’m Not There, sobre Bob Dylan, com vários atores, atrizes, políticos e músicos interpretando as várias facetas de Mário Lago.
Tem também esse poema autobiográfico abaixo, Eu, Lago Sou, recitado por artistas como Bete Mendes, Gracindo Jr e Milton Gonçalves, além de Mário Lago Filho e Mário Lago Neto. Outros vídeos sobre e com ele estão aqui (e também no vasto arquivo do Youtube e quetais).
De medo, não sei notícia,
Vaidade, não faz meu jeito,
Erro, sim, mas sem malícia
Que nasceu morto o perfeito
Só uma vaidade eu aceito:
Dar certo medo à polícia.
Mas no dito não se veja
Orgulho certo ou pretenso.
Não medo do homem que eu seja,
E, sim, daquilo que penso.No horizonte finquei seta
E pra este norte caminho
Nem sempre é uma linha reta
Nem sempre há vez pra carinho
Quem escolhe estrada de espinho
Não tem caminhada quieta.
Só vivo pra uma verdade,
Da qual me orgulho sem pejo:
Nunca trocar por vaidade
O que pretendo ou desejo.Não tenho orgulho de berço
Nem local de nascimento.
Meu céu é onde converso
Meu chão é onde me sento.
Busco, sim, entendimento
Em samba, fuzil ou terço.
Pra mim, o tempo não acaba
Nem a recusa me ofende.
Palavra puxa palavra…
Um dia, a gente se entende.Santo, não sou, nem pensando,
Santidade é castração
Se a vida vive se dando
Não sou eu que digo não
Mas minha será a opção
Quanto ao onde, como e quando.
Penso assim e não assado
Quero assado e não assim
E o rumo, uma vez traçado,
Vai nesse rumo até o fim.Muito deixei do vivido
Muito perdi sem ter ganho
Mas sem chorar de sentido
De achar injusto ou estranho
Pois o mundo é sem tamanho
Pra quem dá passo escolhido.
Ao afastar me habituo
Mas gente me acusa e pensa
Que a tristeza do recuo
É orgulho de indiferençaJamais escolho o que digo
Se é pros do peito que falo
Eu, por mim, só escuto amigo
No que é alegria ou regalo
Se falam mal, não me abalo
De irmão não me vem castigo
Amigo, já diz o velho ditado
É aquele diante de quem
Se dorme sem ter cuidado.Da vida escolho o que presta
Se erro na escolha, paciência,
Não mudo em luto uma festa
Por um erro em sã consciência.
Nada me amarga a existência
Que é o pouco mais que me resta
Se a erva-doce era amarga,
Mas por doce foi tomada,
O coração ponho à larga,
E me rio da mancada.Não é o mundo que eu queria
Nem a vida que sonhei.
Vida de paz e alegria
Num mundo de uma só lei.
Mas me ensinaram, e guardei,
Que após um dia, há outro dia.
E rindo como poeta
Que o riso é minha saúde
Fiz da alegria, meta
Fiz da esperança, virtude.
(Ele era meu tio, casado com uma irmã de meu pai, tia Zeli. A casa deles em Copacabana (a que conheci, na rua Julio de Castilhos, no Posto 6) era uma algazarra de família, bichos (em geral três cachorros, dois gatos, muitos pássarios, uma tartaruga, um tucano, um papagaio), artistas, políticos, onde eu curtia muito ficar sentado num canto da sala, moleque ainda, ouvindo as muitas histórias e discussões que rolavam. Quando soube que estudara na mesma escola que eu, Colégio Pedro II, unidade Centro (na avenida Marechal Floriano, no centro do Rio), passei a perguntar sobre como era no seu tempo (ele estudou lá de 1923 a 1926, eu de 1983 a 1987), detalhes das aulas, do uniforme que usava, como era o Centro na sua época, como matava aulas. Ficava fascinado com as histórias, como fiquei com seus livros, que contam outras histórias, menos lúdicas e nem por isso menos interessantes, de tempos difíceis, de violência, tensão, medo e muita coragem. Dele e de minha tia Zeli, que era uma fera – não tinha medo de milico, agente do DOPS ou o que fosse. Saudades, muitas saudades dos dois…)
O centenário de Mário Lago também será celebrado pelo programa Ensaio, da TV Cultura, lembrando histórias do artista.
Você me botou pra chorar, meu querido amigo, companheiro e primo. Também tenho muita saudade. Um beijo e um forte abraço
Um post super interativo, com trilha sonora e tudo!Linda homenagem!
Mas confesso, que além da música, o que mais me emocionou foram as palavras finais, quando vc narra sua vida com ele… Me deixou com gostinho de quero mais!Parabéns!
Obrigado, Anasha!
Que lindo esse post! Sou fã de seu blog e de seus twitters. Sempre me atiçam e me emocionam na medida. Beijo, escriba. @Kattin
Bom saber que O Escriba ainda atrai leitores. Obrigado, Katia!
E tinha tb aquela casa em Saquarema e a Belina do Tio Mário…
Um forte abraço, Pax et Lux!
SAJ (CPII – Centro)
boa lembrança, SAJ!
ETERNO MÁRIO LAGO
Sem mar e sem lago
É assim que fica a terra
Nos cem anos de Mario Lago…
Se, a Amélia é que era mulher de verdade
Aurora, deveria ser mais sincera,
Gilda não pedia desculpas
Mas foi Zilda que
Amarrou seu coração…
Pobres mortais gostam porque precisam
Mario precisava por que gostava…
A vida briga com o humano
Humano Lago fez um acordo com a coexistência…
Se, o tempo te persegue,
Mario lago fazia as pazes com a vida…
Na calda do arco Iris,
Via em suas cores a esperança…
Mario Je ne regrette rien –
Não lamentava a vida
Fazia tudo por paixão…
Foi sempre um expectador
Cortejando ao passar pela vida…
Cem anos de Mario Lago
Deixou a terra árida…
Sem mar e sem lago
Com terrenos áridos
Sem suas sábias palavras,
Que nos davam sentido á vida…
Não calava no peito nenhuma dor
Nem atirava a primeira pedra…
Tinha no romance a dor que provou
Por acreditar na saudade
Escrevia com varias tintas o verbo amar…
Tinha sempre um querer,
Convicto de que nem o mundo
Entende nossa magoa, nossa dor…
Desenhando uma estrela
Imaginava-se no céu…
Cantou aos quatro cantos
Que se um amor se vai
Deixa contigo a saudade.
Entre seus mil amores,
Eu fui a numero um…
Nada além que uma ilusão.
Meu doce Mario Lago.
Albertina CHRAIM