A vida predomina em Tolstoi tanto quanto a alma predomina em Dostoievski.
A frase que abre este post foi retirada do livro O Leitor Comum (leia aqui), de Virginia Woolf, cujo capítulo O Ponto de Vista dos Russos é dedicado a esses dois escritores e mais Tchecov. Nada mais verdadeiro. Do pouco que li de Tolstoi, vi realmente a vida transbordar em cada página, em cada personagem, em cada trama. Gosto dos jogos mentais do Dostoievski, mas há momentos em que Tolstoi cai melhor. Estou lendo Guerra e Paz (leia aqui, em inglês) no momento, sua obra-prima gigantesca, sem querer devorá-la de uma vez – é livro pra se curtir em doses homeopáticas. O curioso é que mesmo com a infinidade de personagens e tramas, dificilmente perdemos o fio da meada, tal é o envolvimento que Tolstoi consegue de seu leitor.
Na aula de terça-feira passada do meu curso de literatura russa (que faço lá no Sebinho da 406 norte, nunca é demais lembrar), lemos dois textos curtos de Tolstoi: A Morte de Ivan Ilich e Senhores e Servos (clique aqui para ler). Curiosamente, os dois tratam da morte. Como bom cristão que era, via a morte como salvação para os que sofrem em vida. Não era um fatalista, longe disso. Tinha apenas a convicção de que a aceitação da morte era a melhor forma de se valorizar a vida – ver este interessante artigo sobre o tema. Viveu intensamente e, aos 82 anos, fugiu de casa e decidiu ganhar o mundo, de trem, com um pequeno grupo de seguidores, para levar seu anarco-cristianismo pela Rússia. Morreu numa estação de trem, de pneumonia.
Ao fim da aula, rolou uma discussão entre os pró-Dostoiévski pró-Tolstoi – estilo fla x flu, chico x caetano. O primeiro grupo disse preferir o autor de Crime e Castigo porque seus personagens são mais reais, mais a ver com o que encontramos por aí no dia-a-dia. Já os de Tolstoi seriam muito idealizados. Defendi Tolstoi lembrando que ele, como professor, era didático e dava a seus personagens características estereotipadas justamente para marcar suas ações. Dois mestres, duas escolas. Em ambos os casos, literatura de primeira.
Amanhã a aula será dedicada a Nikolai Leskov, a quem Tchecov considerava um professor. Se quiser acompanhar minha ‘tweet-aula’ sobre literatura russa, me siga no twitter aqui. Começo imediatamente após a aula, a partir das 22 horas.
Seguem abaixo as tuitadas sobre Tolstoi que dei na última terça. Ah, curiosidade: no Twitter, há perfis falsos (e divertidíssimos) de Tolstoi, Dostoievski e Turgueniev. Seus autores simulam a personalidade de cada um e eles vivem se provocando por lá: Tolstoi pergunta se Dostoievski continua fazendo dívidas, Dostoievski retruca perguntando se Tolstoi continua fazendo filhos bastardos, e Turgueniev vive cobrando Dostoiesvki uma antiga dívida. O Dostoievski do Twitter, aliás, me ajudou na ‘tweet-aula’, passando links interessantes, como esse vídeo que mostra Tolstoi no final da vida quando passou a perambular pela Rússia de trem e de seu caixão sendo carregado pela multidão.
* Liev (ou Leon) Tolstoi nasceu em 1828 na cidade de Yasnaya Polyana e morreu em 1910, em Astapovo, aos 82 anos.
* Era conde e perdeu os pais cedo. Foi criado pelos tios. Na juventude, foi soldado, beberrão, viciado em jogo e curtia esbórnia c prostitutas
* Suas obras-primas são os romances Anna Karenina e Guerra e Paz, q consumiu 7 anos de trabalho e foi publicado em capitulos entre 1865 e 1869
* Guerra e Paz narra a história da Rússia e guerras napoleônicas. Foi inovador à época e muitos críticos não consideram o livro um romance
* Guerra e Paz foi inspirado num livro homônimo do teórico anarquista francês Proudhon, de 1861. Muitos diálogos foram escritos em francês
* Ao contrario de Dostoievski, + claustrofóbico, Tolstoi preza em seus textos grandes espaços. O 1o. é mais subterrâneo; Tolstoi, luminoso
* Base do pensamento de Tolstoi é o ‘bom selvagem’ de Jean-Jacques Rousseau e em sua obra O Contrato Social (para ler o livro, clique aqui).
* Para anarquistas de sua época, Tolstói era um ‘anarquista cristão’, por ele ser contra a dominação do Estado, da Igreja e seus dogmas
* Mas Tolstói ñ acreditava na revolução pela violência, mas sim na revolução moral individual. Pregava a vida simples e próxima à natureza
* Escrevia de manhã, dizia q a mente estava + clara nesse período – Dostoievsky preferia a noite (ver aqui).
* Era contra a exploração do trabalho alheio e assim passou a viver do que produzia – fazia a própria roupa, sapatos, plantava o q comia
* Com seu pacifismo e pregação da não-violência, inspirou Mahatma Gandhi, com quem trocou correspondência
* Chegou a abrir mão dos direitos autorais de suas obras – 90 no total, 14 das quais são diários
* Se revoltou contra a literatura algumas vezes, deixando de escrever, por entender q servia ao status quo. Mas sempre voltava ao ofício
* As novelas A Morte de Ivan Ilitch e Senhores e Servos, q tratam da morte, escritas após retorno de 1 desses períodos de abandono da escrita
* No final da déc 1850, fundou escola p filhos de camponeses em q pregava o desapego à autoridade. Ñ havia regras p alunos, nem punições
* Foi casado com Sonia Bers, com quem teve 13 filhos. Dedicou-se à família por 15 anos, quando escreveu Guerra e Paz e Anna Karenina
* Por suas idéias e ações tidas como anarquistas, foi excomungado pela Igreja Ortodoxa Russa em 1901
* Foi vigiado pela polícia do czar Alexandre III e só não foi preso pq era idolatrado em toda a Rússia e Europa.
* Era muito cobrado pela mulher e filhos pela vida simples que exigia q todos tivessem em sua propriedade. Acabou fugindo de casa aos 82 anos
* Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia. Leon Tolstói
* Os ricos fazem tudo pelos pobres, menos descer de suas costas.
* Todos pensam em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo.
* Após fugir de casa, em busca da vida simples que tanto pregava, Tolstói passou a vagar pela Rússia, viajando de trem em vagões de 3a. classe
* Foi encontrado morto, por pneumonia, numa estação de trem da pequena cidade de Astapovo. Foi enterrado lá, à sombra de uma árvore
* O poeta Mario Quintana escreveu um poema em homenagem a Tolstoi – Poema da Gare de Astapovo
* E seu arquiinimigo @FMDostoyevsky me manda imagens do Youtube de Tolstói em 1908. Tks, my friend!
Jorge: eu também sou um tolstoiano, tolstoísta, sei lá. Reli Guerra e Paz no ano passado e destaco, também, a rigorosíssima reconstituição histórica que o escritor fez, e, num estilo ensaísta, a ácida crítica dirigida aos historiadores das Guerras Napoleônicas. De fato, Tolstoi era um épico; Dostoievski, outro gigante, um intimista. Mas, se fosse para dizer por que prefiro o primeiro, eu diria: porque Tolstoi é fundamentalmente bondoso, enquanto Dostoievski era fundamentalmente rancoroso.
Opa, e aí, Leo. Quanto tempo, heim?
Pois é, também gosto dessa bondade intrinseca de Tolstoi, que é passada a cada texto seu. Agora, cá entre nós, Dostoievski tinha motivos de sobra para ser rancoroso… o que passou ao ser quase fuzilado não é facil…
estudo historia amo historia e a materia que eu gosto mas e o escriba s2
Obrigado, Nathalia! 🙂
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