“Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, brutalidade, corrupção?” (Luiz Eduardo Soares, ex-Secretário Nacional de Segurança, cientista político e professor da UERJ, no artigo Crise no Rio e o Pastiche Midiático, publicado em seu blog)
Uma das mais nefastas e emblemáticas consequências dessa mais nova onda de violência que vem se abatendo no Rio de Janeiro desde domingo é a irracionalidade que toma conta de muita gente boa. Gente que prega a tolerância, a paz, a serenidade, em tempos de calmaria, mas que na hora do vamos-ver, se transforma num ferrenho defensor do pega-pra-capá, torcendo para que a polícia mate o maior número possível de ‘marginais’. O sangue vai aos olhos, cegando o sujeito, e alimentando a roda da confusão – que por sua vez só contribui para eternizar o estado de pânico que toma conta da cidade maravilhosa.
Debati o assunto com várias pessoas no twitter e no facebook, criticando principalmente o papel da imprensa nessa história toda, que em vez de agir com sensatez e a cabeça, prefere se tornar uma espécie de vingadora da classe média que a sustenta, pensando com o fígado, exigindo cadáveres como solução. Vi jornalistas dizendo: “Nessa hora, ou estamos com a polícia ou com a ‘vagabundagem’. Vergonhoso.
Esse mito de que vivemos um polícia x bandidagem, como bem aponta Luiz Eduardo Soares, é propagado pela imprensa – e papagaiado pela sociedade – por ser o mais simples e de fácil digestão pela legião de Homers que se entorpecem diariamente com imagens de perseguições, tiroteios e veículos em chamas, paralisados e apáticos. Cria-se assim um clima de falsa revolta, que não transforma, não educa, não mobiliza, só faz a população agir como um bando de zumbis, reverberando as abobrinhas do canal BláBláBlá News e seus comentaristas de aluguel. O que realmente temos é ‘bandidagem’ – ela está nos morros, mas também nos quartéis, assembleias, barracos, duplex, condomínios de luxo, coberturas, etc.
O tráfico só se estabeleceu no RJ porque contou com a sociedade da ‘banda podre’ da polícia carioca.
Soares diz que preferiu não dar entrevistas sobre a crise no Rio justamente porque os entrevistadores não querem discutir o assunto, apenas legitimar suas teorias próprias e alimentar a roda da confusão.
Ler o artigo dele hoje de manhã foi um achado. Encontrar uma voz sensata em meio à balbúrdia que temos por aí é um santo remédio.
PS: Sempre que estoura uma crise dessa no Rio de Janeiro eu revejo um dos documentários mais incisivos e contundentes que já vi: Notícias de uma Guerra Particular, de João Moreira Salles e Katia Lund. Nesse trecho aí, o ex-chefe da Polícia Civil do Rio, Hélio Luz, coloca o dedo em algumas feridas abertas dessa história toda:
Concordo plenamente com vc. É muito triste é assustador ouvir comentários vindos de onde nem se imaginava defendendo que tem que matar, que a culpa é dessa galera que defende os direitos humanos.
Ai eu pergunto: o que faremos então? Põe todos esses caras no paredão e espera a próxima geração crescer para fazer o mesmo?
É tudo muito triste. Ainda que minha vida carioca seja curta,acho que tenho certa legitimidade para dizer isso já que passo na porta de Manguinhos e Mandela todos os dias para ir para o trabalho.
E vou dizer que o coração quase saiu pela boca quando o onibus em que eu estava cruzou com oito carros da polícia bem na frente de Manguinhos esta semana. Mas os olhos marearam de tristeza no fim do dia, quando o ônibus mudou o itinerário deixando um monte de morador da região na mão…
Adorei o texto do Luiz Eduardo Soares. A imprensa, mais uma vez, está adotando uma postura absolutamente irresponsável.