O carioca vive às janelas. Você tem razão. Não é uma certa classe; são todas as classes. Já em tempos tive vontade de escrever um livro notável sobre o ‘lugar da janela na civilização carioca’, e então passeei a cidade com a preocupação da janela. É de assustar. Há um bairro elegante, o único em que há menos gente às janelas. Mesmo assim, trinta por cento das casas mais caras, mais cheias de villas em amplos parques, haverá desde manhã cedo gente às janelas. Na mediania desse mesmo bairro: casas de comerciantes, de empregados públicos, de militares, vive-se à janela. Nos outros bairros, em qualquer é o mesmo, ou antes, é pior. Pela manhã, ao acordar, o dono da casa, a senhora, os filhos, os criados, os agregados, só têm uma vontade: a janela. Para quê? Nem eles mesmos sabem.
(…) Durante muito tempo preocupei-me. Qual o motivo dessa doença tão malvista no e pelo estrangeiro? Que faz tanta gente debruçada na rua Bomjardim, como na rua General Polydoro ou no canal do Mangue? Até hoje ignoro a causa certa. Mas vi ser à janela que o Rio vive.
(Trecho de Os Dias Passam…, 1912, de João do Rio)