Maquiagem nuclear

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A revista The Economist traz em sua última edição uma reportagem de capa sobre um possível renascimento da indústria nuclear. O planeta, diz o texto, precisa mais do que nunca de energia limpa, confiável e barata, para combater o aquecimento global e garantir um desenvolvimento sustentável ao longo dos anos. Ora, então porque não se investe pesado em tecnologias realmente limpas, como solar, eólica, geotérmicas, marés, biocombustível (de forma responsável…), etc?

Às vésperas do vigésimo aniversário do maior acidente radioativo do mundo – o do césio-137, em Goiânia, em 1987 -, o material da revista inglesa vem a calhar para os cabeça-de-milico e demais entusiastas da tecnologia atômica, dando-lhes alguns argumentos para defender seu patinho feio. No entanto, uma leitura atenta e socrática do texto revela que há mais interrogações no ar do que gostariam os pró-nuclear.

Senão, vejamos: a certa altura, o texto da The Economist afirma: “Handling waste may get easier…” (O manejo do lixo nuclear pode ficar mais fácil…”). Opa, pode ficar mais fácil? Ou seja, é difícil hoje. Eu diria mais do que isso, é um problemão daqueles. Já pensaram até em mandar tudo pro espaço, literalmente. Ou enfiar tudo num foguete e jogar no sol! Sério!! O caso é: nenhum país tem hoje um depósito definitivo para guardar lixo atômico, nem a França que tem 75% de sua energia elétrica gerada por usinas nucleares. Quero ver quando essas usinas tiverem que ser desativadas – todas o são depois de um período que varia entre 20 e 60 anos…

Mais à frente a reportagem traz o bordão preferido da imprensa, a de que alguns ambientalistas já admitem a energia nuclear. E quem eles citam? James Lovelock e Patrick Moore. O primeiro é conhecido pela teoria de Gaia, na qual afirma que a Terra funciona em bloco, como um grande corpo de um ser vivo. Gosto dele, mas não concordo com sua defesa da energia nuclear. Já o segundo, Patrick Moore… bom, ele foi do Greenpeace mas há mais de 20 anos abandonou o grupo e passou a trabalhar como lobista da indústria – seja ela nuclear, madeireiras, biotecnologia e outras. De ambientalista, só sobrou o nome de sua empresa, a GreenSpirit. Mas virou figurinha fácil em matérias polêmicas desse tipo. É a pimenta que todo jornalista gosta para esquentar um assunto qualquer.

Mas o melhor argumento contra uma aposta cega na energia nuclear quem dá é a própria The Economist, no final do seu texto, que diz:

Há bons motivos para o público se preocupar. O lixo nuclear é difícil de armazenar. Mais tecnologia civil nuclear no mundo aumentam as chances de proliferação de armas. Terroristas poderiam atacar usinas or roubar combustível nuclear. As pessoas só vão apoiar a energia nuclear se eles acreditarem que governos e a indústria nuclear estão fazer o seu melhor para limitar esses riscos, e que tais riscos são pequenos o suficiente.

Uma das razões porque o público se tornou contra a energia nuclear da última vez foi porque se viu financiando a indústria, às escondidas. Seria equivocado, não apenas para quem paga impostos, mas também para a indústria, criar um novo lote de acordos vantajosos com governos. A indústria nuclear precisa convencer as pessoas de que é llimpa, barata e segura o suficiente para ser confiável sem o apoio e proteção do governo. Se não puder, não merece uma segunda chance.

Alguém em sã consciência acredita que a indústria nuclear consegue sobreviver sem a ajuda do governo? Qual país deixaria uma indústria tão sensível nas mãos 100% da iniciativa privada? Não à toa todas as usinas nucleares construídas no mundo até hoje contaram com pesados subsídios de governo. Um não sobrevive sem o outro. Em todos os sentidos…

Os cabeça-de-milico querem usinas nucleares. Nós queremos uma [r]evolução energética.

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4 Responses to Maquiagem nuclear

  1. Avatar de João Botafogo João Botafogo disse:

    Caro Jorge, perdoe-me a ausência e a intromissão em assunto tão volátil para lhe pedir um favor: que escreva a verdade sobre “supermercado” onde as pessoas comemoram, passaram mal e uma morreu… Não vejo em órgão de imprensa nenhum o nome do supermercado… Por que será…?

  2. Avatar de escriba escriba disse:

    João, não to sabendo, estive fora no fim de semana… pode me explicar? abs!

  3. Avatar de Mercedes Mercedes disse:

    Olá Jorge,
    parabéns pelo artigo! Realmente precisamos mesmo é de uma [R]Evolução Energética e não de mais usinas nucleares.

    Abraços

  4. Avatar de escriba escriba disse:

    obrigado, Mercedes! Estamos na luta!

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